terça-feira, 31 de março de 2009

a idade

a idade é relativa. até aqui nada de novo. para além do mais, a relatividade é das respostas mais fáceis que se pode dar às coisas que nos intrigam. tipo: a felicidade? é relativa; o que é o amor? bem, é relativo. ou seja, às vezes, quando não se sabe o que se dizer, diz-se que é relativo e de um modo geral o outro fica a olhar para nós meio atordoado mas no fundo a concordar que de facto tudo (ou quase tudo) é relativo. mas há coisas e sentimentos para os quais não é possível dar esta resposta vaga e ao mesmo tempo tão peremptória. quando se é jovem, muito jovem, digamos, quando se tem 24 anos, não é relativo ficarmos velhos de um momento para o outro. é um peso que nada tem a ver com relatividade: é um facto indesmentível. não é relativo, é um peso (pesado) ser-se jovem e ter uma doença de velhos que nos faz inevitavelmente viver e logo pensar como velhos. ter uma doença de velhos quando se é jovem, faz olhar a vida e vivê-la de modo muito diferente do que ser jovem e não ter uma doença de velhos. parece uma verdade do mr. jacques de la palisse (ou de la palice, é relativo), mas é acima de tudo um sentimento com o qual se aprende a conviver. e nessa convivência nada há de relativo no sentido em que não há limitações ao sentido desse sentimento. ele é verdadeiro e irrefutável.

segunda-feira, 9 de março de 2009

mais longe

Consciência. Olhar. Dor. Beleza. Eu posso viver tudo isto exactamente no mesmo espaço e tempo em que, a trezentos kms de mim, está alguém que eu amo mais do que todos adormecido artificialmente e que, por algumas horas, não vive como eu vivo. Está algures noutro sítio: a dormir porque assim a colocaram. Estará naquele sono em que não se pensa nada, em que tudo é branco e não se sonha. Está noutra dimensão: longe de mim e até longe dela mesma. Vou esperar ansiosamente que regresse para mim. Até já, mãe.

terça-feira, 3 de março de 2009

acordei a pensar nisto...

Curiosamente, a perfeição partilha algo com a crueldade: ambas se revelam nos pormenores.

segunda-feira, 2 de março de 2009

a língua portuguesa e o algarve

«Razões afins levarão um dia a que, no algarve, como alguém terá o cuidado de escrever, toda a praia que se preze, não é praia mas é beach, qualquer pescador fisherman, tanto faz prezar-se como não, e se de aldeamentos turísticos, em vez de aldeias, se trata, fiquemos sabendo que é mais aceite dizer-se holiday's village, ou village de vacances, ou ferienorte. Chega-se ao cúmulo de não haver nome para loja de modas, porque ela é, numa espécie de português por adopção, boutique, e, necessariamente, fashion shop em inglês, menos necessariamente modes em francês, e francamente modegeschäft em alemão. Uma sapataria apresenta-se como shoes, e não se fala mais nisso. E se o viajante pudesse catar, como quem cata piolhos, nomes de bares e buates, quando chegasse a sines ainda iria nas primeiras letras do alfabeto. Tão desprezado este na lusitana arrumação que do algarve se pode dizer, nestas épocas em que descem os civilizados à barbárie, ser ele a terra do português tal qual se cala.»
Saramago (2008). A Viagem do Elefante: 233-4.

leitura recente

[...] porque a vida ri-se das previsões e põe palavras onde imaginámos silêncios, e súbitos regressos quando pensámos que não voltaríamos a encontrar-nos.

Saramago (2008). A Viagem do Elefante: 34.