quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Uma questão

A memória é algo que se tem ou algo que se perde????
No meu caso, e não é com alegria que o afirmo, diria que é algo que se perde!!!!!!!!!!!!!!!!!!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Morreu o Senso Comum (ou o Bom Senso) e o Jornal London Times publicou o obituário

Today we mourn the passing of a beloved old friend, Common Sense , who
has been with us for many years.

No one knows for sure how old he was, since his birth records were long
ago lost in bureaucratic red tape.

He will be remembered as having cultivated such valuable lessons as:
- Knowing when to come in out of the rain;
- Why the early bird gets the worm;
- Life isn't always fair; and
- Maybe it was my fault.

Common Sense lived by simple, sound financial policies (don't spend more
than you can earn) and reliable strategies (adults, not children, are in
charge).

His health began to deteriorate rapidly when well-intentioned but
overbearing regulations were set in place.

Reports of a 6-year-old boy charged with sexual harassment for kissing a
classmate; teens suspended from school for using mouthwash after lunch;
and a teacher fired for reprimanding an unruly student, only worsened
his condition.

Common Sense lost ground when parents attacked teachers for doing the
job that they themselves had failed to do in disciplining their unruly
children.

It declined even further when schools were required to get parental
consent to administer sun lotion or an aspirin to a student; but could
not inform parents when a student became pregnant and wanted to have an
abortion.

Common Sense lost the will to live as the churches became businesses;
and criminals received better treatment than their victims.

Common Sense took a beating when you couldn't defend yourself from a
burglar in your own home and the burglar could sue you for assault.

Common Sense finally gave up the will to live, after a woman failed to
realize that a steaming cup of coffee was hot. She spilled a little in
her lap, and was promptly awarded a huge settlement.

Common Sense was preceded in death, by his parents, Truth and Trust, by
his wife, Discretion, by his daughter, Responsibility, and by his son,
Reason.

He is survived by his 4 stepbrothers;
I Know My Rights
I Want It Now
Someone Else Is To Blame
I'm A Victim

Not many attended his funeral because so few realized he was gone.
If you still remember him, pass this on.
If not, join the majority and do nothing.

sábado, 10 de dezembro de 2011

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sobre a língua portuguesa: os palíndromos, a tautologia e alguns provérbios

Sabe o que é um palíndromo?

Um palíndromo é uma palavra ou um número que se lê da mesma maneira nos dois sentidos, normalmente, da esquerda para a direita e ao contrário.

Exemplos: OVO, OSSO, RADAR. O mesmo se aplica às frases, embora a coincidência seja tanto mais difícil de conseguir quanto maior a frase; é o caso dos conhecidos:

SOCORRAM-ME, SUBI NO ONIBUS EM MARROCOS e ASSIM A AIA IA A MISSA.

E sabe o que é tautologia?

É o termo usado para definir um dos vícios, e erros, mais comuns de linguagem. Consiste na repetição de uma ideia, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido.
O exemplo clássico é o famoso ' subir para cima ' ou o ' descer para baixo ' . Mas há outros, como pode ver na lista a seguir:
- elo de ligação
- acabamento final
- certeza absoluta
- quantia exacta
- nos dias 8, 9 e 10, inclusive
- juntamente com
- expressamente proibido
- em duas metades iguais
- sintomas indicativos
- há anos atrás
- outra alternativa
- detalhes minuciosos
- a razão é porque
- anexo junto à carta
- todos foram unânimes
- conviver junto
- facto real
- encarar de frente
- multidão de pessoas
- amanhecer o dia
- criação nova
- retornar de novo
- empréstimo temporário
- surpresa inesperada
- planear antecipadamente
- abertura inaugural
- continua a permanecer
- a última versão definitiva
- possivelmente poderá ocorrer
- comparecer em pessoa
- gritar bem alto
- propriedade característica
- demasiadamente excessivo
- a seu critério pessoal
- exceder em muito.

Provérbios sobre os quais andamos enganados e enganadas:

O que se ouve: «Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho carpinteiro»
O correcto é: «Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho no corpo inteiro»

O que se ouve: «Quem tem boca vai a Roma»
O correcto é: «Quem tem boca vaia Roma»(do verbo vaiar).


O que se ouve: «Quem não tem cão, caça com gato.»
O correcto é: «Quem não tem cão, caça como gato...» (ou seja, sozinho!)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

http://youtu.be/RYHrlNgPTp4

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

evidentemente

Depois de cairmos, a única solução é levantarmo-nos. Evidentemente.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Como viver num mundo de redondos quando não se é redondo

A Ema nasceu redonda, redondinha, como todas as outras pedras que viviam com ela à beira do riacho. Ela era uma pedrinha feliz e nunca questionou o valor da sua presença quando estava com o resto da pedraria: na escola dava-se bem com os colegas, tinha amigos; não muitos, mas tinha com certeza bons amigos; pertencia a uma família toda redonda e tudo estava redondamente bem. Durante muitos anos foi assim. Ema manteve-se igual a todos os outros, mas com o passar dos anos, a Ema foi vendo a sua redondice, ganhar formas rectas e angulosas, até chegar ao ponto em que um dia acordou e estava totalmente transformada num cubo, de frente, de trás e de lado, estava completamente quadrada. Já não rebolava; agora esforçava-se, muito, para colocar primeiro um dos lados no chão, ganhar impulso, colocar outro lado no chão, ganhar novamente impulso para colocar outro lado no chão, ad infinitum. Não era fácil para quem estava habituada a rebolar pelos caminhos, aprender a ter força suficiente para impulsionar o corpo que agora era um cubo. Não haveria grande mal em ser uma pedra quadrada ou uma pedra cubista se não fosse a realidade de todos à sua volta serem redondos e redondinhos. Quando e como começou a ocorrer esta metamorfose, a Ema não sabe e parece que ninguém na pedraria tem a resposta para o mistério que se materializou numa diferença; mas o que é certo – tão certo como o facto de o sol nascer todos os dias – é que essa diferença tornava muito difícil, senão mesmo impossível, que a Ema encaixasse no puzzle que era a pedraria. Agora era e acima de tudo sentia-se uma peça fora do puzzle. Durante algum tempo, disfarçou (inclusivamente para si mesma) a realidade da sua ausência de redondice. Mascarava a sua rectilinice com panos que formavam ondas curvas e cosia ao seu corpo de pedra almofadinhas redondinhas. Ela fez quase tudo para poder continuar a encaixar no puzzle e durante algum tempo essa estratégia funcionou. Funcionou mesmo, sem deslizes, sem tropeços, nem suspeições. Se perguntassem na pedraria se havia entre todas aquelas pedras alguém com forma de cubo, todas as pedrinhas diriam com absoluta certeza que NÃO: «Aqui não há cubos, nem mesmo quadrados que é o mesmo que dizer – um cubo visto de lado – nem pensar!». No entanto, tanto esforço para ser uma das peças perfeitas do puzzle resultou num desgaste profundo da estrutura da Ema e agora para além de rectas e ângulos, a sua cor também já era diferente e começava a ser muito difícil parecer que era igual aos outros. Todos na pedraria eram brancos ou negros (o que dificultava imenso a actividade de montar o puzzle da pedraria), e a Ema estava a ficar cinzenta. Cinzenta como os dias de chuva, mas não se sentia triste, sentia apenas que já não pertencia e essa certeza vinha de fora para dentro, pois era acima de tudo no contacto com as outras pedrinhas que ela percebia que já não encaixava de todo no puzzle. Uma das estratégias foi, então, continuar a sorrir para que pelo menos a sua boca tivesse forma de uma meia-lua, meia-redonda, sorria o mais que podia tentando fazer com que a distância entre os cantos da boca e as orelhas fosse a menor possível. Outra foi manter sempre os olhos muito abertos pois assim eles eram mais redondos. Outra foi continuar a coser almofadinhas a si mesma. Outra foi manter-se sossegada a ver se ninguém dava pela sua diferente presença. Mas progressivamente já nada disfarçava a sua cubice. Nem mesmo Ema conseguia disfarçar para si mesma que não era igual ao que era nem igual às outras pedras e pedrinhas. Então, foi a partir de aí que ela começou verdadeiramente a sentir-se mal e profundamente triste. Já não encaixava. Colocando de lado (em cada um dos seus quatro lados, lá está), toda e qualquer hipótese, mesmo que remota, de autocomiseração, Ema decidiu, após longos dias, com longas dores de estômago, mudar de pedraria. Essa era a única solução possível, já que a diferença lhe causava muita solidão. Solidão por dentro, não por fora, já que todos continuaram a falar muito bem com a Ema, a Ema é que tinha deixado de os entender pois estava diferente: não entendia o que diziam e principalmente não percebia o modo como viviam. Ela não era com certeza nem melhor nem pior do que os outros e outras que viviam na pedraria, mas não conseguia fazer-se entender e para não correr o risco de se transformar num velho cubo eremita com longas e brancas barbas que viveria a contemplar a vida dos outros, decidiu que o melhor era sair dali, ir para outra pedraria com a esperança de diminuir a solidão de dentro ao conseguir comunicar com alguém que fosse e pensasse como ela. Sei, que neste momento, a Ema ainda não encontrou aquele lugar onde se sentirá confortável na sua pele de cubo cinzento, mas como gosto da miúda, espero que o encontre em breve e coloque um ponto final à solidão de dentro.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

como magoar outro ser humano

Há em todos nós a pérfida ou inconsciente capacidade de magoar outro ser humano. Mas em alguns essa capacidade está mais viva do que em outros. Pela minha parte, tenho a certeza de que são mais as vezes em que saio magoada do que aquelas em que magoo. Isto acontece por dois motivos: (i) sou estupidamente sensível e, às vezes, extraordinariamente ingénua e (ii) tenho sempre muito cuidado com o que digo para não ferir aquele ou aquela com quem estou a falar, para que essa pessoa não se sinta diminuída, preterida ou humilhada.

Mas, acontece que não somos todos iguais (aliás, esta não é novidade!). Por isso, há muitos que, por estarem mal com eles mesmos (normalmente, é essa a raiz de onde nasce a vontade de magoar outros), dizem palavras que deveriam calar. Deveriam manter essas palavras no estômago para não estragarem o coração daqueles que são obrigados a ouvi-las.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

17 Frases que Não se Devem Dizer a uma Pessoa com Artrite Reumatóide :)

1.Isso ainda não passou?

2.És muito nova para ter artrite.

3.Oh, eu sei o que é isso. Ultimamente, ando com uma dor de costas daquelas!

4. Só precisas de fazer exercício.

5.Não pareces doente.

6.Já foste ao psiquiatra? Se calhar isso é uma depressão.

7.Não, não é pesado. Segura aí!

8.Já experimentaste aqueles comprimidos amarelos?

9.Por que não experimentas glucosamina ou omega3 ou produtos sem glúten, em vez de te entupires com medicação?

10.Olha, bebe isto e vais ver que melhoras (Ou come amoras…)

11.A única coisa que precisas é de perder peso (ou ganhar peso!)

12. Pelo menos não é cancro.

13.Li sobre uma mulher que se curou com suplementos vitamínicos, antibióticos...

14.Deves ter pouca resistência à dor.

15.A minha avó tem isso.

16.Tomei aspirina e a minha artrite desapareceu.

17. Mulher doente, mulher para sempre! Ainda nos vais enterrar a todos!

Com todo o meu amor

rita

quarta-feira, 4 de maio de 2011

constatação

A verdade em nós surge quando não se está feliz, já que na felicidade somos mais iguais, tal como escreveu Tolstoi na abertura de Anna Karenina: «Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira».

terça-feira, 26 de abril de 2011

Acordar

Saber aproveitar a vida quando ela está traquila é um dom que nem todos sabem controlar. A efemeridade dos momentos calmos, mesmo que monótonos e rotineiros, traz tranquilidade. E é importante que o saibamos reconhecer, pois quase tudo pode mudar de um minuto para o outro e é nesse momento em que desejamos que tudo voltasse a ser como era antes: monótono e rotineiro. Temos de aprender a dar (imenso) valor a uma ida ao cinema, a um passeio na praia, a uma conversa com os amigos, a estar com quem se ama, a comer pela nossa própria mão, a... Estes episódios de bem-estar, repetidos e às vezes desvalorizados, são o «tudo». E o maior de todos os nadas acontece quando acordamos, quando abrimos os olhos por mais uma vez; essa é a banalidade que devemos sempre agradecer. Por isso, a Ema dá um grande bom dia ao dia quando acorda, e agradece ter acordado pela enésima vez, agradece a repetição, a monotonia e a normalidade dessa repetição. Ter acordado na sua cama e não numa cama de hospital. Cada um de nós escreve sobre aquilo que conhece e a Ema é isto que (re)conhece: o valor incomensurável que tem um acordar na nossa cama, na nossa casa, mesmo quando a intranquilidade interior acorda com ela. A Ema sabe dar valor à liberdade de poder sair de casa, caminhar, levantar-se e viver mais um dia. Mesmo quando está mais triste, ela sabe isso. Sabe que a sua/nossa condição humana é frágil e como é importante valorizarmos os momentos em que estamos bem. A doença, a fragilidade destrutiva, a dependência dos outros para comer, para beber e para viver são uma indignidade que a Ema sabe que deve evitar até ao momento que, talvez, um dia, infelizmente, não possa evitar. Por isso, ela valoriza tanto o momento em que, de manhã, abre os olhos e olha de novo a vida na cara. Ela dá um valor imenso ao momento em que acorda e a todos os outros enormes momentos. Mesmo quando não é capaz de fazer tudo o que tinha para fazer, a Ema está, a cada dia que passa, a aprender a aceitar que fez tudo o que conseguia fazer. Talvez o que consegue fazer não seja o mesmo que quer ou quereria fazer, mas ela está a cada momento, a cada respiração, a aprender a viver com essas pulsões e com essa emoções. Por isso, primeiro vive-as, depois tenta escrevê-las: uns dias, mais inspirada, outros, menos. Mas tenta, pois enquanto puder tentar, diminui as possibilidades de um dia se arrepender de não ter tentado. Um dia em que qualquer episódio menos feliz a coloque num hospital ou num outro mundo qualquer que ela ainda não conhece. Ela aproveita enquanto consegue e enquanto pode. E talvez um dia, ela consiga transformar todas essas pulsões, essas emoções e esses pensamento em palavras coerentes e originais. Metamorfosear essas pulsões e essas emoções em composições melódicas de palavras que contem histórias aos outros e que façam os outros mais felizes.

quarta-feira, 23 de março de 2011

segunda-feira, 14 de março de 2011

(diálogo a solo)

Como é possível estar a viver sem rumo quando ele está mesmo à minha frente? Também não sabes? Eu acho que sabes. Vá...diz-me lá...Eu acho que sabes. Por que dizes isso? Eu não sei se é assim. Mas, por que razão dizes isso?... Sim, contigo foi assim; comigo, acho que não será. Também não te entendo. O que perguntas? Não sei. Não sei o que te responder quando me fazes essas perguntas. Acho que tens razão em algumas das coisas que dizes, noutras não te quero dar razão. Até te poderia dá-la mas agora não quero. Não é bem não querer; a questão é que agora não posso. É por isso que consigo viver com um rumo incontrolável e vê-lo estampado à minha frente. No espelho? Foi espelho que disseste? Não, não é no espelho. É na sombra que ensombra os dias. É na sombra que me acompanha mesmo quando não quero, tal como o rumo que se traça mesmo sem ser pela minha mão. Olha, a propósito de sombra, recordas o que me contaste naquele dia na praia? Não, não foi isso. Não te lembras? Estávamos na praia, a maré estava cheia, calor, gente e ficámos deitadas à sombra a tarde quase toda. Sim, nesse dia. Pois, contaste-me o que se passou e quero que saibas que tal como me pediste mantive segredo. Espanta-te isso...estou a ver. Eu mantive o segredo. Aliás, tenho defeitos mas tenho essa (grande) qualidade: guardo para sempre um segredo. O de toda a gente, não só os teus. Que bom para mim? Acho que sim. Pois, e o que fizeste em relação a isso? Que bom, para ti. Eu não tenho feito nada de jeito. É como te digo, estou a viver o rumo que traçaram por mim.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

não sei como é com os outros

Eu não sei como é com os outros, mas comigo, eu sei. É difícil, é muito difícil escrever uma tese de doutoramento. É um processo lento, cheio de avanços e recuos temperados pelas minhas profundas inseguranças e, ainda, marcado pelos serpenteantes percursos dos meus pensamentos. Os meus pensamentos não seguem a direito como acontece sobejas vezes com os carros orientados pelas preciosas dicas do GPS. Os meus pensamentos percorrem a vida dos outros, as preocupações (as minhas e as dos meus amigos e as dos meus pais e as da minha P.) seguem os raios intermitentes da luz do sol que ilumina a sala do meu T1 com kitchenette, através dos estores. Os meus pensamentos são desviados pelo som da sirene do carro da polícia, pelo alarme do carro de um vizinho, pela buzina de alguém que não consegue tirar o carro pois tem outro carro estacionado atrás dele, em segunda fila, e, principalmente, pela sirene das ambulâncias. Essas têm um poder fortíssimo sobre o vai e vem dos meus pensamentos. Penso: Antes estar aqui do que na ambulância, mas assim que penso isso mesmo, já me distraí e já lá vai o meu pensamento para longe das teclas do computador. Vai para dentro do hospital, para o lado do avesso das dores dos outros e das minhas. Por que não das minhas também?!

Escrever uma tese de doutoramento exige concentração - eu penso mesmo que à maneira de como se falava nos anos 80 - escrever uma tese de doutoramento é o CÚMULO DA CONCENTRAÇÃO:) Ora, para quem me conhece. Corrijo: Para quem me conhece agora aos 40 e a viver os 40 que vivo, concentração é dos truques mais difíceis de conseguir. A minha concentração está ao nível da cave, melhor, da garagem do prédio onde, infelizmente, o meu carro não dorme.

Escrever uma tese de doutoramento não tem nada, absolutamente, nada a ver com a nossa inteligência (seja isso o que for). Escrever uma tese de doutoramento é proporcional à nossa capacidade de resistência. Ao género da que têm os maratonistas. E eu, pelos vistos, sou mais um desses, umas dessas. Eu sou uma maratonista com paragens frequentes na box para rebastecer o oxigénio, a esperança, a energia e, acima de tudo, a persistência.

Eu não sei como é com os outros, mas comigo e para mim é difícil. E estou desejando o dia em que tudo isto termina. Para poder recomeçar a viver sem as costas doridas das horas sentada ao computador, para poder olhar a vida sem este peso que me imponho. Sim, eu tenho responsabilidade neste peso que me imponho; mas na verdade não sei fazer de outro modo. Provavelmente, os outros conseguem, mas eu não. Não sei como é com os outros, mas comigo não é fácil. Se calhar é porque viver comigo não é fácil. Penso muito.

Eu não sei como é com os outros, mas comigo é difícil...:) mas não se preocupem, eu posso não ser mais nada, mas sou uma resistente. Até já tenho a boina e o penteado à la mode de la résistance ou de la résistance à la mode:)!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Já não há surpresas

A vida que se tem, raramente é aquela que se queria ter. As razões podem ser diversas. Pode suceder que não se tenha a capacidade de apreciar o que se tem. Pode acontecer que se seja um insatisfeito eterno. Pode suceder que não se tenha a capacidade de agir e pensar. Pode acontecer que seja mesmo verdade aquilo que se sente: a vida que se tem não é aquela que se deveria ter.

Isto disse-me a Matilde no outro dia. Estava triste, ela. Eu já não sei o que lhe dizer; muitas vezes fico em silêncio, apenas a ouvi-la falar, a limpar-lhe as lágrimas ou a reduzir o som dos gritos que lhe saem dos olhos. Ela até tem razão, a vida tem sido tão cheia de surpresas (e não das supreendentemente agradáveis, mas das outras: do outro tipo de surpresas, das desagradáveis) que a Matilde sente-se com pouca força para as digerir. Durante uns tempos consegue, mas durante outros, não. E não sabe como ter a vida que queria ter.

Ela disse-me isto e saiu da sala.

Virou costas e foi mudar de roupa. Muda de roupa muitas vezes. Acho que o faz porque isso lhe acompanha o ritmo do seu pensamento. E o seu pensamento é rápido e, com frequência, confuso. Ela tenta, eu já a vi muitas vezes tentar, sentir-se menos confusa e tentar gostar da vida que tem: com supresas surpreendentemente desastrosas e tudo o mais. Mas quase nunca ela consegue. Não se sente bem.

Sente-se sozinha e coloca nos lábios instáveis as palavras que ouviu no outro dia no cinema: _Chego a casa e está lá tudo como deixei: a chávena do café por lavar, o mesmo cd na aparelhagem, a mesma dobra no edredon – a dobra que ficou quando de manhã tentei fazer a cama - a tampa da sanita para baixo, a tampa da pasta dentífrica no sítio, os sacos da reciclagem nem mais cheios nem mais vazios, o mesmo perfume no ar, as botas como as descalço. Tudo espelhamente igual ao momento no qual saí de casa. Saio e regresso sempre para o mesmo cenário. Acho que é isso também o que me faz mal: a ausência de surpresas surpreendentemente agradáveis. O mesmo do mesmo não é bom quando à partida o mesmo não está bom. Fazem-me falta surpresas, das do tipo supreendementemente boas.

Disse isto e regressou ao quarto. Acho que foi outra vez mudar de roupa.
Sim, P., a imortalidade seria um enfado; mas isto de saber que se nasce para morrer - no sentido em que se eu nunca tivesse nascido, nunca morreria - também é um paradoxo brutal.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ao jeito de uma máxima

Viver mata e é por essa razão que o ser humano não é imortal.
Pois se a vida não matasse, nós seriamos de certeza imortais.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Ema e as suas oito vidas

Dizem que os gatos têm sete vidas. Pois bem, a Ema já conta com mais no seu curriculum. Tem trinta e cinco anos, e já viveu oito. Ela é muito despachada. Acho que isso tem muito a ver com o modo elegante como vive cada uma dessas vidas – sim, as oito vidas ocorrem-lhe em simultâneo e por isso ela tem de as viver ao mesmo tempo (às vezes, com poucos segundos para respirar entre cada uma delas). Na minha opinião, a Ema é uma atleta de alta competição: uma malabarista de alta competição que, recorrendo a manobras diversas, mantém todas as peças no ar: objectos em fogo, pedaços de madeira, pinos de bowling, … – todas as oito vidas - quero eu dizer – no ar. São manobras, mas não são truques naquele sentido sujo da palavra. (Sei que o malabarismo não é considerado um desporto de alta competição mas eu sempre achei que deveria ser.) A elegância da Ema, às vezes, só se esvai quando lhe sobe o coração à boca e vemos formar nos seus lábios os sons de palavras que eu, por pudor, não revelo. Mas confirmo que é a sua elegância de vida – aquela que ela transporta na altura do seu corpo e da sua alma - que a faz conseguir gerir as vidas todas que vive. Não tem tempo para esperar, como ela diz, por isso tem de seleccionar com rigor. Não tem tempo para gente que não se decide. Não tem tempo para gente que não sabe lutar pelo que quer. Não tem tempo para esperar. A esperar, só se for pelo gato aquele que, entretanto, já tem menos vidas que ela.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

por hoje, só uma música...:) Mas uma música linda.

Esta música - Autumn Leaves - é tocada e cantada por Eva Cassidy que também morreu jovem. Tinha 33 anos. Este dado é mais uma pista que me leva a acreditar (cada vez mais) de que aqueles que saem de cena mais cedo, são muitas vezes os mais talentosos. Já nos mostraram como são lindos e provavelmente são tão lindos que não poderiam ficar em cena como nós ainda continuamos.



segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

saudade(s)

A saudade é um sentimento muito português. Dizem. Acho que não acredito. Acho que é um sentimento semeado por todos os pequenos universos que povoam o planeta Terra. A saudade é um sentimento duro. Não é como o amor, por exemplo, que é molinho, fofinho e quente. A saudade é dura e fria. Eu tenho muitas saudades. Principalmente de algumas pessoas e tenho acima de tudo saudades dos bons momentos. Não quero regressar ao passado, mas gostava de repetir alguns momentos. Talvez para os conseguir viver ainda mais intensamente do que na altura vivi, porque só agora – com a distância elástica do tempo – me apercebo como foram felizes esses momentos e como o meu coração batia ao ritmo das ondas quando a maré está baixa e o céu azul: compassado, tranquilo, ligeiro. Tenho saudades de quando estava apaixonada e feliz. Tenho saudades dos fins de tarde nos dias de férias em que, sem saber como, a conversa fluia sempre e sempre. Tenho até saudades da cumplicidade que se sentia nos silêncios. Tenho saudades de te telefonar e ouvir «até já». Tenho saudades de quando te telefonava para falar sobre mim e para dizer que «às oito estou em casa!». Tenho saudades de quando me fazias rir. Agora que vejo, tenho saudades de rir. Tenho saudades dos jantares e acima de tudo das conversas. Tenho saudade da cumplicidade. Tenho saudades do amor. Tenho saudades da ajuda e do carinho que recebia. Tenho saudades do amor que dava. Tenho saudades de dormir abraçada a ti. Tenho saudades principalmente quando os dias chegam ao fim, quando as horas se transformam em minutos longos, do tamanho do mundo, e passam devagar, devagar como a mudança da cor das folhas das árvores. Tenho saudades, principalmente, quando me lembro. Tenho tantas saudades que nem as consigo gerir com senso. Fica tudo enrolado, turvo. A saudade não é portuguesa nem sequer é do mundo. A saudade agora é minha. Segundo ouço, tanto se diz «tenho saudade» como «tenho saudades». A segunda deve indicar que a saudade é mais do que uma. Por isso, eu digo: tenho saudades. Muitas.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Para sempre

Tal como no romance (lindo, magnífico, comovente) de Vergílio Ferreira, a personagem recorda - no final da sua vida - o seu passado e, curiosamente, o seu futuro, também eu hoje (mesmo com a memória desgraçada que tenho) decidi recuar ao dia 4 de Feveveiro de 1995: O dia que ficará para sempre marcado no meu sangue.

Acordei, tomei banho, vesti-me, comi e saí para ir dar um exame. Apesar de ser sábado, havia exame. Havia exame, mas não havia telemóveis como hoje em dia. Eu, pelo menos, não tinha um. Estava a meio do exame, no anfiteatro e uma funcionária vem dizer-me que me tinham telefonado. Os meus pais tinham-me telefonado ou o Ricardo tinha-me telefonado. Não me lembro. Também por uma razão que não recordo, não telefonei de volta a partir da escola, fui a uma cabine telefónica que está no parque de estacionamento da universidade. Aí telefonei para o Ricardo (se calhar, a chamada tinha sido mesmo dele).

A voz que ouvi estava calma. Disse-me que a minha irmã estava no hospital e que eu deveria ir para Beja. O dia estava lindo e frio. A voz ao telefone não me disse mais nada. Assim que desliguei o telefone, pensei que a Marta tinha tido um acidente de mota. Assim que desliguei o telefone, senti o negro dentro de mim. Mas afastei-o: ela só tinha tido um acidente de mota, provavelmente, uma perna partida, um braço partido.

Regressei ao edifífio da escola a tremer mas não pelo frio. Fiquei a tremer durante muito tempo. Deram-me logo ali um calmante porque me acharam muito nervosa. Eu não queria: dizia que tinha sido apenas um acidente de mota. Mas não sentia que tinha sido apenas um acidente de mota. Sentia mais, mas não queria sentir mais.

Saí da universidade, fui a pé para a estação do comboio (o comboio está muitas vezes presente na minha vida), esperei pelo comboio, entrei no comboio, saí em Tavira. Fui a pé até casa do Ricardo. Vi caras calmas. Pensei que o que sentia estava provavelmente errado. Se calhar foi mesmo só uma perna partida.

O Ricardo disse que me levava a Beja. Antes de entrar no carro, a mãe do Ricardo fez-me uma festa na cara. Aí tive a certeza que o que sentia estava cada vez mais certo. Aquela festa na cara tinha uma mensagem.

Entrámos no carro. Estava um dia lindo, sol e frio. Lembro-me que parámos para comer algures para lá de Mértola. Não me lembro do que conversámos na viagem, mas não conversámos nada sobre a Marta. O Ricardo já sabia (penso eu) e não devia querer dar-me pistas.

Chegámos ao hospital de Beja. Entrei. O meu nome é Rita e venho visitar a minha irmã. Como se chama? Chama-se Marta. Qual é o piso onde está e qual é o número do quarto? Silêncio. O negro crescia dentro de mim. Silêncio. Vá aí para essa sala à direita que a médica vai falar consigo. Fui. O Ricardo estava comigo. A médica entrou. A Marta morreu. Eu desmaiei. Quando acordei estava noutro sítio - para sempre - num sítio onde eu tremia; até ouvia o som dos meus dentes a baterem. Para sempre fiquei outra. Para sempre perdi a minha irmã. Para sempre terei saudades dela. Para sempre a minha irmã ficará jovem. Para sempre, a minha irmã não vai sofrer mais. Para sempre, eu fiquei diferente. Para sempre, a minha irmã existirá.

Por tudo isto, tal como o protagonista do livro de Vergílio Ferreira, hoje recordo o meu passado e até o meu futuro pois tu estiveste/estás/estarás para sempre na minha vida.

Amo-te, Marta.
Sinto que estarás bem. Para sempre.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

os aniversários

Tal como há quem veja o copo sempre meio vazio também há quem o veja sempre meio cheio. Isso já todos sabemos e frequentemente ouvimos. Não estou a dar novidade nenhuma. E também todos nós conhecemos pessoas que optam por uma ou por outra perspectiva.

O mesmo sucede com os aniversários, ou melhor, com as celebrações dos aniversários. Há quem considere que o aniversário marca o segundo em que se celebram os dias e os momentos que se viveram até ali e há quem considere que o aniversário marca a certeza de um ano a menos para o fim. Aquele fim que é garantido – tal como se ouve na publicidade: aqui vende-se ao preço mínimo garantido. Não há preço mais mínimo do que aquele - não há outro fim, para nós, que não o garantido. Há quem viva o dia de aniversário como se fosse um dos dias mais tristes e miseráveis do ano. Há quem viva o dia de aniversário como se fosse uma conquista dos dias que já ganhou. Eu até que percebo as duas posições. E a minha opinião vacila e até poderia dizer: Acho que tem dias (como diz a senhora que trabalha na pastelaria ao lado da minha casa). Tem dias em que os dias têm uma conta decrescente, tem dias em que o cálculo é crescente (a meu favor, evidentemente). Mas na maioria deles (dos dias) acho que a celebração de um aniversário é como se disséssemos ao universo: estes já não mos tiras. Estes já são meus, já os vivi e estou muito feliz por isso. Diria, até, estou muito orgulhosa disso. Daí que tenho de tirar o melhor de cada dia. Tirar que é como quem diz o oposto: dar. Tenho de dar o melhor todos os dias. Não falo de dar o meu melhor no sentido mais corriqueiro e usado da expressão: algo como «tenho de ser e agir no máximo das minhas potencialidades todos os dias e a todas as horas». Não falo nesses termos porque isso não é realista. O máximo das minhas potencialidades tem variáveis incontroláveis por isso não pode existir essa coisa de dar o meu melhor. Quando falo em dar, refiro-me literalmente a dar. A dar o meu tempo e a minha ajuda a quem precisa. E dar não é fácil, nem é para todos. São poucos os que têm a capacidade de ser dar aos outros e à vida. Só o faz quem não tem medo, ou seja, quem tem a coragem de sofrer com os outros. Dar é acreditar que pelo menos isso já não nos tiram. Como o sinto quase todos os meus aniversários.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Ler + carregar no play no post abaixo + ouvir = calma

Giovanni Battista Pergolesi morreu aos 26 anos, em 1736, muito jovem e ainda assim teve tempo e o talento para nos deixar uma das mais bonitas versões do Stabat Mater. Escolhi uma dessas versões, para mim, uma das mais perfeitas, e publiquei-a aqui (ver abaixo).

Esta é uma das minhas músicas favoritas. Ouço-a quase todos os dias enquanto estudo ou enquanto escrevo. É um hino religioso (católico) do século XIII dedicado a Maria. A Mãe que vê o seu único filho morrer.

A música tem o efeito de nos transportar para outros estados de alma por isso quando ouço músicas como esta fico mais tranquila. E coloco-a aqui como um presente para a minha mãe que também perdeu um filho - uma filha - e que todos os dias procura aprender a viver com essa perda.

Pergolesi: Stabat Mater (Emma Kirkby, James Bowman)

sábado, 29 de janeiro de 2011

o amor é lindo...

crimes diários

O Carlos passou por mim a correr e disse: _ Descupa, ma já tou memo atrasado prá runião. Quando chegar a casa tefono-te!! Mas que careéssa?! Não fiques assim, o café fica pra outro dia. Pormeto!

Ok. _ Pensei eu. A pressa dele devia ser mesmo muito urgente. Perdoei-lhe o facto de não ter tempo para beber um café comigo mas não sei se lhe perdoo ter esfaqueado brutalmente a minha língua portuguesa.

inverno

O Janeiro chegou frio. Afinal já era inverno há um mês e ainda não o tinha sentido na pele. Nem no seu armário tinha ainda mudado a ordem das roupas: das mais frescas para as mais quentes. Nem as caixas debaixo da cama onde ela guardava os sapatos, as botas, as socas tinham a ordem que o inverno pedia. Ainda estavam todos misturados: os sapatos, as botas, as socas, os chinelos. Era uma tarefa a fazer. Apenas as écharpes de lã já estavam em cima da cadeira que tem no quarto. A cadeira ao lado espelho. Mas o frio chegou e nessa manhã, a Matilde acordou e conseguia quase cheirá-lo. Como todos os dias, Matilde acordou e, como todos os dias, ficou feliz por abrir os olhos e estar viva. O primeiro gesto que fez foi aquele que mais detesta mas aquele a que a obrigação a obriga: olhar para o telemóvel para ver as horas. As horas controlam-na, ainda mais do que a controla o telemóvel. Haverá poucas pessoas que detestam tanto este objecto como ela o detesta. Só dá sinais do mundo quando não deve e quando deve tocar torna-se um vegetal: não dá sinais do mundo nem da vida dos outros. O telemóvel toca mais nos dias de semana. Por isso, essa é uma das coisas que mais gosta nos fins-de-semana: o bicho sonoro não mexe. Fica moribundo e ela regozija-se por vê-lo assim: quase morto - la mort du téléphone - essa poderia ser a legenda do fim-de-semana da Matilde. Se pudesse não o tinha. Mas é fim-de-semana e ela também agradece isso: o silêncio do bicho. Tal como agradece quando acorda. Não se lembra quando o começou a fazer: a agradecer. Mas já lá vão uns anos. E já não consegue fazer de outra maneira. Não sabe a quem agradece o facto de acordar com todos os sentidos no sítio. Mas agradece. Hoje o inverno está em casa dela. Ela recebe-o com a arrumação das roupas no armário e dos sapatos e socas nas caixas. Sai de casa, cruza-se com pessoas em casulo. Tal o frio. Sabe-lhe bem sentir o ar na cara. Regressa a casa e traz ainda o inverno consigo. E fica Invisível a Ver a luz fosca do dia No sofá da sala.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Era uma vez...

Conheci-o numa noite de fim de verão. Eu tinha saído de uma casa onde fora jantar e ele veio ter comigo. Silenciosamente mas muito seguro. Deviam ser mais ou menos duas da manhã, mas era verão, a noite estava parada e o ar morno enchia-me de calma. Por isso eu estava ali à porta da casa, parada como a noite. Aproximou-se e olhou-me nos olhos. Apaixonámo-nos logo ali e levei-o para casa. Tremíamos os dois. Não sei se de medo, se apenas da novidade. Mas tive logo ali a certeza de que alguma coisa em mim iria mudar. Quando entrámos em casa dei-lhe um nome: Ruca. Ruca porque pode ser nome de pessoa, Ruca porque começa com R – como o meu nome -, Ruca porque o encontrei na RUa e abri-lhe a porta a minha CAsa. Tem pêlo preto como a noite em que nos conhecemos. Tem olhos verdes como as folhas das árvores que havia ao lado da casa. Desde o dia em que entrou na minha vida passou a fazer-me companhia. Gostava quando eu chegava a casa. Falava por detrás da porta da casa assim que ouvia o meu carro a chegar. A nossa casa. Rapidamente ele se tornou dono daquela casa. Eu não era a dona dele (como muitos afirmam), eu era um elemento da casa, tal como ele. Deitava-se atrás do ecrã do computador a espreitar. A ver-me através do verde. Eu a trabalhar, ele a olhar para mim. Deitava-se no sofá comigo, junto da minha barriga; ficava como uma bolinha quente com coração a bater sempre rápido e a fazer o som com o efeito mais calmante. Gostávamos (e gostaremos sempre) os dois da liberdade. Por isso, depois de lhe ter aberto a porta para entrar, naquela noite de verão, sempre lhe a abri para ele sair quando quisesse. Tinha um coração leve, vivia sempre alerta, assustava-se facilmente. Tinha molas nas patinhas, e falava. Falava muito. Falava para me dizer que queria sair, falava para me dizer que queria entrar, falava para me dizer que queria dormir na minha cama. Falava, mas nem sempre conversava. Tem nome de pessoa mas não conversava sempre que eu conversava com ele. Era teimoso. Deliciosamente teimoso. A partir do momento em que veio viver comigo, fiquei mais feliz. Depois de me ter despedido dele, deixámos de conversar. Agora, quando o vejo, vem ter comigo: quer o meu colo. Fica ali quieto – muito quieto, a olhar-me e a olhar à volta (provavelmente à espera do momento em que eu saio pela porta fora). Fica ali sossegado até que alguma coisa (um mínimo ruído, uma porta que se fecha, uma porta que se abre, um telemóvel que toca, um movimento meu, mesmo que lento) lhe sobressalta o coração. Quando saio de casa sem ele, ele vem comigo. Está sempre comigo, apesar de eu me ter despedido dele.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A(s) casa(s)

A casa – a primeira – um rés-do-chão em Benfica. Não tem memória dela mas tem a memória emprestada dos outros ilustrada por meia dúzia de fotografias. Acha que era pequena, apertada, bonita. Foi o espaço onde ela estava quando chegou a irmã e com a irmã vieram visitas e a maior caixa de smarties que alguma vez vira. Por isso, até não é verdade que não tenha memória dessa casa. Ela tem: a imagem da maior caixa de smarties do mundo. Uma caixa que lhe deram talvez por ser um presente, talvez para a deixar mais feliz, talvez para ela saber que apesar de a partir daquele momento os pais terem mais uma filha, ela continuaria a receber presentes: a maior caixa de smarties

do mundo. Não tem memória de quem lha deu, mas ainda hoje a agradece.

A segunda – na Rua das Camélias, nº6, 1º esquerdo – o nome sempre lhe pareceu romântico. Ela era a Dama das Camélias. Cresceu ali. Tinha o mundo inteiro ali: a escola (uma garagem) no topo da rua e as amigas no 1º direito e no r/c esquerdo. Cresceu ali. Foi feliz. Muito feliz (ainda ela não o soubesse naqueles momentos).

A terceira – no subúrbio – o verdadeiro. Ao lado da linha do comboio. A linha do comboio, o apito do comboio, o cheiro das linhas dos comboios que (não sabia ela então) a iriam acompanhar em mais três casas. Foi nesta casa número três que soprou as velas dos dezoito anos. Era uma casa longe. Longe da cidade grande onde a vida acontecia – pensava ela. Mas era uma casa – e era feliz (ela sabia).

A quarta – em Faro – com uma amiga e um emprego. Uma aventura. Um terraço. Um começo. Um quarto às vezes grande às vezes pequeno. Ela foi também feliz ali.

A quinta – um anexo de casa a poucos quilómetros de Tavira – não tem recordações; apenas toalhas turcas lhe vêm à cabeça e as longas caminhadas até à estação (mais uma vez os comboios e as linhas dos comboios) e da estação à Universidade e da Universidade à estação e da estação por um caminho de lama até casa, o anexo.

A sexta – um quarto na casa da amiga com quem partilhou a quarta casa – tinha um quarto e tinha a casa toda. Foi feliz.

A sétima – com a força do número sete e foi talvez por essa razão que esta foi a sua primeira casa. Dizem que o número sete indica o fim ou o início de um ciclo. Foi verdade. Esta casa foi um fim. Comprou-a, assinou a escritura: uma vitória e um virar de página. Não sabia na altura que iria ser tão violento o virar de página. Quinze dias depois dos selos, dos carimbos, das pessoas nas conservatórias, da azafama, o mundo caiu – o mundo dela caiu – o dos outros continuou. A continuação da vida dos outros foi uma das emoções que mais lhe ficou a remoer no estômago. A casa era ao lado da linha do comboio. Mais uma vez. Ela ouvia-os a todos, especialmente, o das duas da manhã – o das mercadorias. Não foi feliz naquela casa, não foi possível, não lhe permitiram, não conseguiu. A partir da sétima casa a vida dela ficou diferente. Ela ficou outra. Para sempre mais só.

A oitava – em Tunes – foi feliz. Obrigou-se a ter a noção de que era feliz. E houve muitos momentos em que foi mesmo feliz. A casa era bonita. Um closet. Uma piscina. Um pátio. Ao lado da linha do comboio. Saiu da oitava casa ao jeito de um jogo à la Houdini: uma fuga impossível.

A nona – em Faro, novamente, - se calhar a primeira de mais umas quantas. Espera ela. Aliás, ela está lá à espera. À espera da próxima casa onde vai ser muito feliz. Tem de ser, a infelicidade tem de ter data de validade como os iogurtes. Quer acreditar. Às vezes consegue mesmo acreditar.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Diálogo de irmãos

Frederico: Acho que os nossos pais não tiveram muita sorte connosco.
Francisco: Como assim?!
Frederico: Tu morreste de um desgosto de amor e eu escolhi mal o amor. Ambos fizemo-los sofrer. Se não nos tivessem feito, não sofreriam por nós e por eles.
Francisco: Achas mesmo?
Frederico: Talvez. Acho que sim.
Francisco: Eu daqui, não sei. Daqui de onde estou só manipulo a água.
Frederico: Eu sei. Já dei por isso.
Francisco: Não te assustes: é o único modo que tenho para comunicar contigo.
Frederico: Às vezes assustas-me. Sabias?
Francisco: Imagino.
Frederico: Podes continuar. Eu sei que és tu.

(parte deste diálogo só é compreensível para a Patty. Os restantes leitores (caso os haja) terão de preencher os espaços em branco do texto.)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A lição

Ontem quando a Matilde saiu da escola disseram-lhe as palavras que lhe retiraram o último balão de oxigénio que tinha. Saíram dos lábios do seu pai as palavras que compunham os sons: Vê se aprendes a lição e nunca mais confies em ninguém.
Para ela que no último ano se tinha agarrado quase só e apenas a essa esperança, afirmando milhentas vezes para si mesma – está tudo mal está mesmo tudo mal – mas ainda posso confiar nas pessoas - aquelas palavras do pai foram o fim. Foram como o paraquedas que não abriu. Durante horas, mesmo muitas horas depois de se estatelar no chão, de cara partida, braços partidos, pernas partidas, aqueles sons não lhe saíam da cabeça. Ela não sabia como iria conseguir. Sempre confiara. A confiança que tinha nos outros era uma das suas fortes características. Fazia parte de si. Era parte da sua condição. Era parte do seu sangue. Agora, e por último, depois de já lhe terem tirado tanta coisa, tiravam-lhe também isso. Só havia um cenário possível: a morte. A morte para os outros é o mesmo que dizer a morte para si. Ontem, depois de ter saído da escola, a Matilde morreu.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Abriu um buraco no tecto da minha casa

Abriu um buraco no tecto da minha casa. Começou pequenino. Agora está maior. Quando olho com vagar parece que consigo vê-lo a crescer. Há momentos em que cresce rápido. Há outros em que cresce lentamente. Não há explicação científica para o facto. Mas o que é certo é que ele lá está. As estrelas olham para mim através dele. E, às vezes, até vejo a minha irmã a dançar com elas ao som das cores do arco-íris. É um buraco grande. Diria eu. Outras vezes, vejo baratas a entrar. Fazem barulho. Assusto-me e deito-me na cama a olhar cheia de medo para aquela porta que tenho no tecto. Já dei voltas à cabeça a tentar arranjar um modo de o fechar. Mas está cada vez maior e eu não sei o que fazer. O outro dia, subi no escadote e fui lá espreitar. Vi a anatomia dos tijolos e do cimento. Vi o céu azul. Sim, decidi enfrentar, de dia, o buraco. à noite é mais difícil: posso tropeçar ou até não encontrar o caminho de volta. Não sei mesmo o que fazer. Se houver alguém que me diga como posso fechá-lo, por favor, POR FAVOR, diga-me. Vou ficar à espera. À espera, agora, no exacto momento em que ele alargou mais uns centímetros.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

marcos

21.01.04.02.22.04.18.05.06.02.03.09.01.01.02.01.06.01

Diálogo de gente sem norte

Eu sou majesty _ Diz ela.
E eu? Sou bom ou mau? _ Pergunta ele.
És mau. _ Afirma ela.
Porquê? _ Interroga-se ele.
Porque não me sabes fazer bem. Fazes-me mal. Deixas-me cada vez mais triste e só. _ Responde ela
Só? _ Espanta-se ele.
Só. Porque havia tudo e agora não há nada. Porque podia haver a perfeição e só resta a desilusão (mais uma vez). _ Assegura-lhe ela.
Não entendo. _ Confunde-se ele.
Não entendes porque só eu sou majesty. Choro, mas faço. Sofro, mas luto. Dói-me, mas levanto-me. Morro de saudades, mas vivo. Fraquejo, mas invento-me forte. Desfaço-me, mas reconstruo-me. Acordo engessada, mas liberto-me. Sou majesty. _ Grita ela.

Madrugada - Majesty

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O gesso e os dias

Ela acorda muitos dias com as pernas e os braços e o pescoço envoltos em gesso. O gesso que colocam às pessoas e aos animais quando partem uma perna, um braço, um tornozelo ou um pé. É uma sensação estranha, desconfortável – diz-me ela. Mas eu não a entendo. Por mais que queira não consigo imaginar como é acordar com o corpo como se vê nos filmes cómicos: um corpo estendido sobre uma cama de hospital, um corpo envolto em gesso, todo partido, apenas os olhinhos à mostra e a única e extraodinária capacidade de beber por uma palhinha…!

O mundo dá muitas voltas – dizem –, mas quando ela está assim, não há volta a dar. A solução é ficar ali, parada. E esperar que o mundo dê as suas voltas. Há pelo menos a compensação de que o mundo lá fora avança e dá voltas – como se diz. Ou, pelo menos fica o desespero de saber que o mundo lá fora avança e ela nada pode fazer ali parada envolta em gesso até ao pescoço e a beber café por uma palhinha.

Somos uns seres estranhos: corajosos ou inconscientes?

Acordamos todos os dias sabendo que podemos morrer ou que pode morrer alguém que amamos. Quem mais tem esta capacidade? (os animais, acho que não têm…) Como é que conseguimos acordar todos os dias, tomar banho, lavar a cara, vestirmo-nos, sair para a rua, ir trabalhar, fazer comprar no supermercado, sorrir, viver, quando sobre nós paira a mais estranha e cruel certeza: a morte.

Isto faz de nós seres extremamente corajosos ou absurdamente inconscientes. Ainda não tenho a resposta. Mas fico a pensar no assunto. Ah, se fico:)...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O ano 2011 tem de ser melhor do que 2010

Começar o ano a cantar...deve ser bom sinal. Passar por maus bocados no ano de 2010...deve ser bom sinal. Bom sinal porque nem tudo fica mal o tempo todo, não é?!!! É!!!!!!

Estou optimista.

Mais uma música linda

So am I
Good or bad
The way that things did turn out
I did only make you sad

And we cried and we cried
On the phone
Oh, but in my mind
You were never that all alone

Oh, you were majesty
Your roads were heavy
And your longing was cut from bone

So am I
Am I good or bad
Could only awake your anger
I could only make you mad
Now was that how you showed me
That you were still so young and bold
Anyway those fights did drive me
And I was dying of thirst and I wasn't growing old

Oh, you were majesty
Your ropes were heavy
And your roads were very cold
Oh, oh, oh, majesty

But in my mind
I could still climb inside your bed
And I could be victorious
Still the only man to pass through the glorious arch of your head, o-oh

Oh, you were majesty
Your ropes were heavy
And your cheeks were very red

Oh, you were majesty
Now it's like I said
That spirit, it's now dead