terça-feira, 26 de abril de 2011

Acordar

Saber aproveitar a vida quando ela está traquila é um dom que nem todos sabem controlar. A efemeridade dos momentos calmos, mesmo que monótonos e rotineiros, traz tranquilidade. E é importante que o saibamos reconhecer, pois quase tudo pode mudar de um minuto para o outro e é nesse momento em que desejamos que tudo voltasse a ser como era antes: monótono e rotineiro. Temos de aprender a dar (imenso) valor a uma ida ao cinema, a um passeio na praia, a uma conversa com os amigos, a estar com quem se ama, a comer pela nossa própria mão, a... Estes episódios de bem-estar, repetidos e às vezes desvalorizados, são o «tudo». E o maior de todos os nadas acontece quando acordamos, quando abrimos os olhos por mais uma vez; essa é a banalidade que devemos sempre agradecer. Por isso, a Ema dá um grande bom dia ao dia quando acorda, e agradece ter acordado pela enésima vez, agradece a repetição, a monotonia e a normalidade dessa repetição. Ter acordado na sua cama e não numa cama de hospital. Cada um de nós escreve sobre aquilo que conhece e a Ema é isto que (re)conhece: o valor incomensurável que tem um acordar na nossa cama, na nossa casa, mesmo quando a intranquilidade interior acorda com ela. A Ema sabe dar valor à liberdade de poder sair de casa, caminhar, levantar-se e viver mais um dia. Mesmo quando está mais triste, ela sabe isso. Sabe que a sua/nossa condição humana é frágil e como é importante valorizarmos os momentos em que estamos bem. A doença, a fragilidade destrutiva, a dependência dos outros para comer, para beber e para viver são uma indignidade que a Ema sabe que deve evitar até ao momento que, talvez, um dia, infelizmente, não possa evitar. Por isso, ela valoriza tanto o momento em que, de manhã, abre os olhos e olha de novo a vida na cara. Ela dá um valor imenso ao momento em que acorda e a todos os outros enormes momentos. Mesmo quando não é capaz de fazer tudo o que tinha para fazer, a Ema está, a cada dia que passa, a aprender a aceitar que fez tudo o que conseguia fazer. Talvez o que consegue fazer não seja o mesmo que quer ou quereria fazer, mas ela está a cada momento, a cada respiração, a aprender a viver com essas pulsões e com essa emoções. Por isso, primeiro vive-as, depois tenta escrevê-las: uns dias, mais inspirada, outros, menos. Mas tenta, pois enquanto puder tentar, diminui as possibilidades de um dia se arrepender de não ter tentado. Um dia em que qualquer episódio menos feliz a coloque num hospital ou num outro mundo qualquer que ela ainda não conhece. Ela aproveita enquanto consegue e enquanto pode. E talvez um dia, ela consiga transformar todas essas pulsões, essas emoções e esses pensamento em palavras coerentes e originais. Metamorfosear essas pulsões e essas emoções em composições melódicas de palavras que contem histórias aos outros e que façam os outros mais felizes.