domingo, 27 de abril de 2008

universos paralelos

Ainda que nos meus melhores dias, acredite, em sintonia com a sabedoria popular, que o dinheiro não traz a felicidade, também são muitos os dias em que defendo convictamente que esse dizer é apenas uma panaceia para aqueles que têm falta de dinheiro.
Digo isto agora porque, recentemente, tive acesso a um dos diversos universos paralelos que nos rodeiam: concretamente, àquele onde o dinheiro não falta e pude confirmar - na primeira pessoa - que a historiazinha do «dinheiro não traz a felicidade» é uma autêntica aldrabice. Na verdade, se houver dinheiro e uma bela dose de bom-senso, a felicidade fica a dois passos e é só uma questão de minutos para mergulharmos nela e chafudarmos nos vários prazeres e, sobretudo, na tranquilidade que esta fórmula produz em nós. Se tivermos dinheiro, ou melhor, se não tivermos falta de dinheiro ficamos mais tranquilos e essa tranquilidade deixa-nos mais felizes. Quem tem coragem de me contradizer, se eu lembrar que o dinheiro traz o conforto fresco nos dias quentes de Verão e o aconchego quente nos dias e, principalmente, nas noites de Inverno? E não estou aqui a falar do simples facto de ter uma casa: felizmente já não estou nessa fase. Estou a falar de ter a possibilidade de construir a nossa casa com os melhores materiais, aqueles que não criam humidade nem frio glaciar, nem rachas que se abrem do tecto até ao chão (ou vice-versa), nem deixam a nossa roupa (aquela que compramos com os tostões que vamos tendo) a cheirar impossivelmente a bolor. Estou também a falar de ter dinheiro suficiente para ir passar férias - não me refiro sequer a ir de férias quando me apetece, pois para isso era preciso muito mais dinheiro do que o ideal - mas como estava a dizer ter a possibilidade de conhecer o mundo. Estou ainda a falar de não ter que gastar o nosso coraçãozinho com a preocupação das contas para pagar. Estou ainda a falar de não ter que pensar no dinheiro e escrever sobre o dinheiro.
É indiscutível: Desde que haja bom-senso, quando se tem dinheiro vive-se, muitíssimo, melhor, mais tranquilo e a tranquilidade traz tudo, até a saúde. E andava eu a pensar nestas coisas quando hoje - Domingo - vi um programa de televisão no qual aparecia uma família sem dinheiro. Apresentavam-se todos como sendo muito amigos uns dos outros: o pai amava muito a mãe, a mulher amava e admirava muito o marido, os irmãos amavam os pais, eram todos saudáveis, enfim, uma família linda, mas que não conseguia ser feliz ou não tão feliz como mereciam pois não tinham o dinheiro suficiente para comprar uma casa nem para a manter depois de, eventualmente, a terem. E é aí que entra a TV: ofereceram-lhes uma casa (linda) e um cheque de 50 mil euros e depois de muitas lágrimas de alegria e abraços emocionados, ouve-se a mãe a dizer qualquer coisa como isto: «finalmente estou feliz; agora já tenho tranquilidade e paz para viver bons momentos com a minha família.». Foi com esta frase que eu confirmei uma vez mais (já a confirmara algumas vezes e noutras ocasiões) a minha teoria de que o dinheiro traz a felicidade e que nem o maior amor do mundo é suficiente para se ser feliz se não houver dinheiro. Eu até posso amar muito as pessoas à minha volta e ser amada em igual proporção, mas se não puder pagar uma consulta médica ou colocar comida na mesa, como é que eu vou poder ser feliz. Ok, podem lembrar-me que no Brasil, por exemplo, há milhares de pessoas sem dinheiro e todos são felizes e contentes, mas isso para mim não significa nada. O nosso mundo aqui é um, o deles é nitidamente outro: outro universo paralelo. Neste, onde agora estamos, só quando não se tem falta de dinheiro é que se tem a chance de ter também a muito desejada tranquilidade. E tenho dito!
nota: Disseram-me tantas vezes para ter um blog, agora aguentem-me se conseguirem:)

domingo, 13 de abril de 2008

Silêncio

É complicado decifrar os silêncios, mas talvez mais ainda perceber aquelas pessoas que nunca se calam. Se é uma arte saber escutar, tenho dúvidas (sérias) de que falar de mais seja uma também. Quem fala demasiado e demasiadamente alto, enerva-me, afoga-me mesmo. Estas estrelas da companhia deveriam ser proíbidas de actuar sem pedir autorização àqueles que, apanhados de surpresa, vão ser o seu público durante horas, durante muitos e muitos minutos. Creio que quem fala de mais está muitas vezes sequioso de atenção mas não sou eu quem tem a obrigação de lhe matar a sede. Mas, no entanto, faço-o: ao calar-me. Calo-me e ouço, pois se no início da acção ainda pensei em intervir passados momentos já não tenho a energia que me foi sugada pelo auto-falante à minha frente.
Porém, quando quem fala de mais é um amigo nosso, a história é muito diferente. Quando se trata de um amigo nosso, nós queremos ouvir, saborear cada palavra e principalmente cada emoção por trás de cada palavra e quando isso acontece, no meio das nossas vidas agitadamente vazias, é mais uma daquelas preciosas oportunidades de termos a certeza de que aquela pessoa só poderia ser mesmo nossa amiga.
Mas eu não estou a falar de amigos: estou a falar de amigos de amigos, daqueles que nos são colocados à frente num determinado momento da nossa vida e aí só mesmo a lealdade de uma amizade nos faz não fugir dali a sete (oito) pés. (Não entendo como se pode fugir a sete pés se, na maioria dos casos e se tivermos sorte, temos um par de pés - logo quem foge a sete pés está a correr ao mesmo tempo que coxeia. E é sabido que quem coxeia corre mais lentamente do que quem não o faz. Por essa razão, eu fujo (quando posso) a oito pés (com três pares para além daquele que a natureza me deu).
Quem fala de mais - e não é meu amigo - tem, ainda por cima, o azar de ter muito tempo e oportunidade de se contradizer, de se revelar incoerente, de se tornar chato e de se transformar num ser incómodo. E como quem o ouve já não tem ar para falar, tem de gramar com toda aquela verborreia e só o faz recorrendo a uma arte ancestral: o silêncio. Silêncio que nunca é entendido pela pessoa que fala de mais: essa está convencida que não temos estrutura para acompanhar o seu raciocínio rápido e serpenteante.
Posto isto: de futuro vou esforçar-me por ouvir só aqueles que me apetece ouvir. Vamos ver se consigo.vamos ver.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

AR - part II

Tal como disse da última vez, que me sentei aqui a escrever, viver com uma doença crónica não é das coisas mais fáceis de fazer. Também tal como referi, esta condição só surgiu quando eu já tinha 25 anos, o que implicou que eu tivesse de reaprender a viver. Sei que todos nós vivemos acontecimentos que nos fazem ver a vida de modo diverso daquele que víamos antes de uma circunstância qualquer vir abalar tudo o que conhecíamos e tinhamos como certo e seguro. E, na verdade, quando ficamos doentes é também isso que sucede. Começamos a ficar doentes e tudo muda. Mas ao mesmo tempo o mundo não muda só porque nós mudámos e na maioria dos casos somos nós que nos temos de adaptar. Temos de nos adaptar ao trabalho que faziamos antes de ficarmos doentes porque o trabalho ficou exactamente igual e fomos nós que mudámos. Temos de nos adaptar à família que já tinhamos. Temos de nos adaptar à casa que haviamos comprado antes da doença aparecer. Temos de nos adaptar, ponto final. No meu caso, este ajustamento foi, relativamente, natural. O que não significa que não tenha havido um grande esforço meu para que tudo tenha sido, tal como afirmei, progressivo e natural. Porque na verdade, o meu aspecto exterior mantinha-se e manteve-se, fundamentalmente, igual àquele que tinha antes de tudo acontecer. E como quem me via, via-me igual, isso obrigava-me, no sentido mais positivo da palavras, a agir do modo que sempre agira. Por vezes, isso cria uma espécie de dupla personalidade - mas provavelmente podemos encará-la como apenas mais uma das máscaras que colocamos em sociedade.