Há quem processe a informação da sua vida em voz alta e há quem o faça em silêncio. Eu pertenço ao último grupo. Sempre pertenci. Eis uma das razões pela qual talvez não escreva tão frequentemente neste blogue: porque escrever aqui é como processar a informação em voz alta.
A razão pela qual não o faço já a expliquei num dos posts anteriores mas, acima de tudo, tem a ver com um certo pudor em partilhar tudo o que se passa dentro da minha cabeça. Pontualmente, lá o ultrapasso e escrevo ou falo com alguém. Todavia, o resultado nem sempre é o esperado. Se estamos numa maré de pouca sorte, por exemplo, quando contamos o primeiro contratempo a alguém, é frequente recebermos umas palavras de simpatia e reconforto. Quando contamos o terceiro e o quarto contratempos já se fica com a sensação de que a pessoa que nos ouve acha que somos nós quem atrai o azar e/ou que está com pouca paciência para nos ouvir. E possivelmente tem razão. A sorte tal como o azar vai e vem. E quando o segundo se instala o melhor é ficarmos silenciosamente à espera que passe. O mesmo sucede quando se fica doente. Há dias falei com uma colega que está doente há três anos. Nos primeiros meses, foram vários os telefonemas que recebeu para saber como estava, mas ao final de alguns meses eram raríssimos os contactos do exterior para saber como se sentia ou como reagia aos tratamentos. O ser humano é assim. Não gosta de estar perto de quem está numa maré de azar. Será esse um dos defeitos da humanidade ou apenas uma característica? Se for defeito, é terrível e uma demonstração monstruosa de egoísmo. Se for característica, pode-se interpretá-la como sendo a única forma que nós temos para ser felizes. Todos (ou quase todos) vivemos em perseguição da felicidade e momentos e pessoas que não são ou não estão felizes lembram-nos de que aquilo que perseguimos, na realidade, não existe; e isso desanima qualquer um, não é assim? Como tal, é mais fácil ignorar a infelicidade dos outros e fingir que vamos sendo felizes na perseguição inútil e infrutífera da nossa felicidade eterna. Na realidade, a felicidade não é possível e fazer disso uma missão de vida é tornar-se cada vez mais egoísta.
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