domingo, 13 de abril de 2008

Silêncio

É complicado decifrar os silêncios, mas talvez mais ainda perceber aquelas pessoas que nunca se calam. Se é uma arte saber escutar, tenho dúvidas (sérias) de que falar de mais seja uma também. Quem fala demasiado e demasiadamente alto, enerva-me, afoga-me mesmo. Estas estrelas da companhia deveriam ser proíbidas de actuar sem pedir autorização àqueles que, apanhados de surpresa, vão ser o seu público durante horas, durante muitos e muitos minutos. Creio que quem fala de mais está muitas vezes sequioso de atenção mas não sou eu quem tem a obrigação de lhe matar a sede. Mas, no entanto, faço-o: ao calar-me. Calo-me e ouço, pois se no início da acção ainda pensei em intervir passados momentos já não tenho a energia que me foi sugada pelo auto-falante à minha frente.
Porém, quando quem fala de mais é um amigo nosso, a história é muito diferente. Quando se trata de um amigo nosso, nós queremos ouvir, saborear cada palavra e principalmente cada emoção por trás de cada palavra e quando isso acontece, no meio das nossas vidas agitadamente vazias, é mais uma daquelas preciosas oportunidades de termos a certeza de que aquela pessoa só poderia ser mesmo nossa amiga.
Mas eu não estou a falar de amigos: estou a falar de amigos de amigos, daqueles que nos são colocados à frente num determinado momento da nossa vida e aí só mesmo a lealdade de uma amizade nos faz não fugir dali a sete (oito) pés. (Não entendo como se pode fugir a sete pés se, na maioria dos casos e se tivermos sorte, temos um par de pés - logo quem foge a sete pés está a correr ao mesmo tempo que coxeia. E é sabido que quem coxeia corre mais lentamente do que quem não o faz. Por essa razão, eu fujo (quando posso) a oito pés (com três pares para além daquele que a natureza me deu).
Quem fala de mais - e não é meu amigo - tem, ainda por cima, o azar de ter muito tempo e oportunidade de se contradizer, de se revelar incoerente, de se tornar chato e de se transformar num ser incómodo. E como quem o ouve já não tem ar para falar, tem de gramar com toda aquela verborreia e só o faz recorrendo a uma arte ancestral: o silêncio. Silêncio que nunca é entendido pela pessoa que fala de mais: essa está convencida que não temos estrutura para acompanhar o seu raciocínio rápido e serpenteante.
Posto isto: de futuro vou esforçar-me por ouvir só aqueles que me apetece ouvir. Vamos ver se consigo.vamos ver.

5 comentários:

CF disse...

Muito bem escrito!
E, claro, uma grande verdade.
Também tenho cada vez menos vontade de "fazer fretes" na vida pessoal. Já basta as pessoas com quem temos mesmo que lidar profissionalmente... (definitivamente não o caso presente! :-)
Mas acho que sim, amiga, que os nossos ouvidinhos sejam cada vez mais para os que queremos e nos querem bem!

Zuzu-luz azul.blogspot.com disse...

As tuas palavras são e estão tão certas!
Cada vez mais, percebo como é cansativo ter que OUVIR aquela/e que quando está junto de mim, acha que deve falar e desbobinar tudo aquilo que há dias e semanas vem acumulando.
Eu também falo muito! gosto de partilhar as minhas alegrias, tristezas, ansiedades , mas muitas vezes, depois de ter falado arrependo-me e percebo que não devia ter "obrigado" aquela/e amiga/o a escutar-me...
Como é sapiente o teu texto. Parabéns!
Quando eu sentir que estou a falar de mais, vou lembrar-me dele.

Anónimo disse...

"Aprecio as pessoas que falam e ouvem na proporção exacta, ou seja, as que têm uma só boca e dois ouvidos." (algures na internet)

É por esta e outras que admiro o rigor matemático.

Go on Rita,

PC.

CF disse...

Em resposta ao comentário anterior e em defesa da conversa barata, ainda que com conta, peso e medida:

"I said it was raining cats and dogs", she repeated.
"I heard you", he answered, with his affectionate smile.
It showed that he had not meant to be offensive. He did not speak because he had nothing to say. But if nobody spoke unless he had something to say, Kitty reflected, with a smile, the human race would very soon lose the use of speech.

W. Somerset Maugham, The Painted Veil

Anónimo disse...

comentar exige demasiado esforço do meu tico e teco. Há mto, mto para além do k está escrito. Espero k um dia seja dito. Eu não o espero pq já o sei mas acho k o deves partilhar... pq há muito quem não o saiba e sem partilha a nossa vida é mto, mto, mais pobre!
Partilho aqui e agora o meu amor por ti.