quarta-feira, 31 de julho de 2013

Monológo em duo menor

M:_ Estás triste?
S: _ Não.
M:_ Estás bem?
S: _ Sim.

terça-feira, 30 de julho de 2013

ninhos de andorinhas

A Matilde mudou de roupa e entrou na sala branca de luz azul. Tinha um corte do ombro ao cotovelo e não sabia como o tinha feito. Apesar de tudo, estava tranquila. No entanto, estava surpreendida. Não tinha noção de como tinha feito aquele corte. De dentro do corte saíam luzinhas amarelas, tipo pirilampos. Voltou a mudar de roupa. Perguntaram-lhe o que se passava. Não sabia. Aliás, sabia que tinha o corte de onde saíam estrelinhas mas não sabia como ele tinha aparecido e nem sabia o que fazer para o fechar. Disseram-lhe para esperar ali naquela sala. O primeiro impulso foi trocar de roupa, mas ali não tinha mais nada para vestir. Por isso, sentou-se. Via tudo a preto e branco, exceto as luzinhas douradas que continuavam a sair do seu ombro. Do ombro esquerdo. Ficou na sala à espera, tal como lhe tinham dito ou mandado (ela não tinha a certeza do tom que fora utilizado). Estava ali com uma rapariga que não falava português. Sentou-se na mesa que estava no centro da sala. A rapariga copiou-lhe os movimentos. Estavam as duas sentadas. A tarefa era construírem ninhos de andorinhas. A preto e branco como o resto. A Matilde tentou sempre comunicar com a rapariga. Ensinar-lhe. A rapariga não sabia o que eram andorinhas nem os seus ninhos. Explicou como pode, com gestos e com palavras inglesas, francesas e espanholas. A Matilde começou a construir um ninho, com a intenção de que a outra visse como se fazia e a imitasse. Funcionou. Juntavam pauzinhos e barro e construíram centenas de ninhos. Ninhos para passarinhos a preto e branco. Sem cor como aquele dia da Matilde que, sem saber como, tinha um corte tremendo no ombro esquerdo.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Acordar?

O mar era (estava?) amarelo e a Matilde nadava e flutuava. Leve. Sem peso nem medo. Numa das reviravoltas marítimas, olhou para baixo e viu um espelho. No espelho viu refletido o resultado de um Raio-X. Era ela, mas eram só os seus ossos que via na moldura do espelho. Parecia mesmo uma marioneta. Que divertido! Ainda a olhar para a imagem da sua estrutura no espelho viu passar por entre as costelas os peixinhos mais brilhantes e atrevidos. Tocou-lhes e a maioria fugiu. Ficou um. Deram as mãos, passearam e mascararam-se com algas. Matilde envolta de verde e amarelo. Conseguia respirar e sentia-se tão calma. A alma serena, o corpo ágil como dezenas de colares de pérolas em vez de ossos, cartilagens, articulações, líquidos. Mexia-se conta a conta. Transparente em amarelo e verde. Horas e horas. Abre as pálpebras e ouve o som do berbequim do vizinho que, até ao momento de chegar à superfície, lhe soava ao marido a passar uma sopa de algas e mar.    

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Quando não se sabe que o céu pode ser ainda mais negro

Quando a Ema estava bem (embora não o soubesse ainda), tinha horas e dias e semanas que lhe pareciam ser muito, mas mesmo, muito difíceis. Achava que muitas coisas eram injustas, que o céu era negro, o ar pesado, enfim, tudo muito incómodo. Mais tarde, quando, de facto, tudo piorou, e a realidade ficou mesmo mais intensa, áspera, amarga, a Ema teve saudades das horas, dos dias e dos meses de antes. As horas, os dias e as semanas que lhe pareceram, através das lentes de olhar o passado, horas, dias e semanas leves e suaves e, até, bons.

Agora, Ema deita a cabeça na almofada (mesmo à beirinha da almofada, pois não gosta de sentir o pescoço elevado pela esponja ou pelas penas do que está coberto pela fronha) e pensa: como pude ser tão cega? Se tudo pode mesmo piorar de um momento para o outro, por que razão não fui mais sábia e aproveitei os momentos que pensava já serem os mais ásperos? Por que razão? Why? (ela, frequentemente, tem pensamentos bilingues). Neste momento, até tem um sorriso nos lábios, pois pelo menos tem consciência da sua estupidez. Este não é o primeiro episódio no qual a Ema se apercebe de como é estulta, é só mais um. Um de muitos, com certeza, e disso está ela bem consciente. Ao contrário dos dias anteriores, dos dias de há uns meses, nos quais ela poderia ter sido mais leve e feliz e não foi. Vamos ver se é desta que aprende a lição. The lesson. Oh Yeah.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Orfandade

A solidão é quando a alma fica órfã de ar e o coração do tamanho de um alfinete. Alfinete que pica e que consegue retirar o pouco ar que ainda se tem. A solidão é pesada e tem vestes de prisão perpétua. Fica-se entre quatro paredes mesmo quando as paredes são do tamanho do céu que se vê. A solidão mata lentamente. Deveria pagar-se menos impostos quando se é só. É suficiente um tipo de injustiça por pessoa.

domingo, 7 de julho de 2013

Verdade


A verdade em nós surge quando não se está feliz, já que na felicidade somos todos mais iguais, tal como podemos ler na abertura de Anna Karenina: «Todas as famílias felizes são iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira».

sábado, 6 de julho de 2013

Se

Se a Ema tomasse todos e cada um dos comprimidos que tem em casa ficava curada. Por que não os tomas, perguntei-lhe? Disse-me que se os tomasse, teria de escrever uma carta de até logo. Uma carta de até logo? Sim, uma carta.