sábado, 25 de abril de 2009

A experiência da doença (crónica)


Ultimamente, como alguns já sabem, ando a estudar a experiência da leitura literária e por essa razão comecei também a pensar na experiência da doença. Se a primeira é uma batalha para descrever, a segunda não o é em menor grau.
No entanto, decidi aplicar algum esforço e vou tentar descrevê-la, já que nem preciso de aplicar um inquérito por questionário, nem fazer a revisão da literatura, como é necessário para analisar, academicamente, a experiência da leitura literária. Digamos que a descrição da experiência da doença que a seguir se apresenta é o resultado de uma investigação assumidamente subjectiva com todos os defeitos e qualidades que certamente advêm da natureza deste tipo de pesquisa...

A EXPERIÊNCIA DA DOENÇA

É frequente ouvir quem esteve doente dizer que a seguir a essa fase, fica mais atento aos pormenores, dá mais valor à vida e aprecia a beleza de tudo o que o/a rodeia. Entendo, mas não posso concordar em absoluto.

Entendo porque na maioria dos casos, as pessoas ficam bem depois de terem estado mal e, quando aquilo que é pontual acaba, e a vida recomeça, é mesmo isso que parece ser possível sentir-se: avança-se e o episódio negro da doença fica para trás. Mas tal como disse, não concordo, porque no caso da doença crónica, por exemplo, não há nenhuma revelação - ao estilo de uma epifania - do valor e da beleza da vida; ficando apenas o sentimento de medo: de medo que as dores e a doença nos ataquem mais uma vez e que da próxima vez já não consigamos rejuvenescer com a mesma agilidade e força.

Na experiência da doença, o valor e a beleza da vida ficam simultaneamente ampliados e reduzidos. Ampliam-se quando finalmente podemos calcar o chão com mais vigor, falar com mais energia, passear fora de portas, mas reduzem-se porque a doença quando é crónica não nos deixa apreciar plenamente - mesmo quando estamos menos doentes - os pormenores mais gentis da vida. Claro que há sempre a esperança, mas também há a certeza que a doença é uma crueldade, uma indignidade e uma injustiça.

Compreende-se que quem fica doente aos 60 e recupera, consiga (finalmente) apreciar aquilo que chamam de beleza da vida, mas quem fica doente crónico aos 25 e não morre, fica sempre doente. É quase como estar na praia num dia lindo de Verão e não poder saborear a liberdade e o prazer de um mergulho no mar, onde o corpo se liberta, flutua e não tem peso. Quando a vida (apelidada por alguns como bela) oferece uma doença crónica a uma pessoa que está na flor da idade (sempre achei esta expressão curiosa), vive-se num limbo entre a esperança de melhorar e o pavor de piorar.Para além do mais, a experiência da doença crónica traz uma solidão impenetrável e por vezes envergonhada. Por isso a vida não consegue ser um sonho belo e a praia fica seca, sem azul, sem peixes e sem dourado.

Mais haverá para dizer sobre esta experiência que é também um trabalho sempre em contrução (tipo as obras de Santa Engrácia - outra expressão curiosa): fica a esperança que o consiga fazer por mais algum tempo.

2 comentários:

CF disse...

Estas janelinhas para o teu mundo enquanto doente crónica são duras, mas reveladoras. Fazem-me apreciar ainda mais a tua generosidade para com os outros.
A tua esperança é também a minha: quero ver-te/ouvir-te/ler-te por muitos e muitos anos.

rita disse...

Querida C.

São pessoas como tu - especiais - que me fazem mais saudável. Obrigada pelo teu carinho e fica com a certeza que contarás com o meu amor até ao fim.
rita