domingo, 9 de dezembro de 2012

Viver será mais difícil de definir, mas já morrer tem algumas definições brilhantes. Aqui ficam duas da autoria de António Lobo Antunes:

Morrer é quando os olhos se transformam em palpebras.

Morrer é quando há um espaço a mais na mesa, afastando as cadeiras para disfarçar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

 A Ema disse: a cada comprimido que tomo, a cada gota de sangue que me retiram, a cada raio x que fazem, levam-me uma sinapse. Após 17 anos destas experiências químicas e radioactivas, já não sou eu. Eu era maior, agora menor. A cada dia, a cada jantar levam-me a vontade de participar. Só quero estar. Ficar. Não falem comigo pois não vos entendo. Cada vez vos entendo menos e mais me encontro só. Só com os meus fantasmas, as minhas sombras que me comem viva e me isolam. Solidão imensa bebe a minha vontade.

sábado, 24 de novembro de 2012

Assim falou a Ema: Há dias assim. Há dias em que acordo com dor de cabeça. Hoje. Acordo acorrentada à dor e ao cansaço. Não tenho saída. Tento todas as saídas do labirinto e nenhuma parece estar a funcionar. Cancelas gigantes erguem-se perante o meu olhar incrédulo e fustigado. Não há saída. Mais de 45 dias com dor. Esforço. Cansaço. Não há saída, pois não? Os muros do labirinto são cada vez mais altos, mais ingremes e as luvas que calço começam a dar sinais de desgaste. Sono. Medo do sono. Medo de acordar com mais dor. Não há saída. Por momentos parece surgir um alívio, um levantar do véu e uma transparência mais leve. Momentos. Momentos que fogem como a água do mar que recua ao ritmo cadenciado das ondas que para sempre para cá e para lá. Dor mais para cá do que para lá. É um estilhaço no ser que a pouco e pouco mas todos os dias se despede da harmonia que alguma vez tive. Cansaço. Dor. Tento fugir, escondo-me debaixo dos lençois com quase a certeza de ser o único sítio onde estou a salvo. Mas engano meu. O colchão suga-me o corpo, retira-lhe a vida e quando me ergo pior ainda. Sou um conjunto de peças horrendas que ao roçarem umas nas outras fazem o ruído mais terrível do mundo. O ruído sou eu. Coloco a música no máximo e procuro uma saída, mas nem aí. A música piora a dor de cabeça. Não há saída. Sou um peixe-balão quase, quase a explodir e ao espetar nas paredes os espinhos que tem na pele. Não tarda. Não tarda nada. Não há saída.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Passagem do Blogue de Helena Sacadura Cabral - Fio de Prumo

A vida continua...


"Os filhos são um empréstimo de Deus".

Depois da missa de ontem o meu coração serenou. Fiz tudo quanto o Miguel pediu antes de morrer. Acabei como devia, entregando-o nas mãos de quem mo emprestou. Amanhã ele faria 54 anos.

Hoje recomecei, mansinho, a trabalhar. Como ele desejaria. Mais uma vez em sua homenagem. Aquela que só uma mãe pode dar.

Porque a vida continua e, felizmente, ainda tenho vivos de quem me ocupar.

HSC

Publicada por Helena Sacadura Cabral

domingo, 18 de março de 2012

«187. Um homem pensa nos seus interesses privados enquanto tem interesses e enquanto tem privacidade. Na ausência deles, movido pelo medo perante o vazio da sua existência, vira-se febrilmente para os interesses das outras pessoas. Para os proibir. Para os fustigar. Para esclarecer todos os loucos e esmagar todos os desviantes. Para encher os outros de favores ou persegui-los selvaticamente. Entre o zelota altruísta e o zelota assassino existe, é certo, uma diferença de ordem moral, mas não existe qualquer diferença de natureza. O assassínio e o autossacrifício são simplesmente as duas faces da mesma moeda. A dominação e a benevolência, a agressão e a dedicação, a repressão e a autorrepressão, a salvação das almas do que são diferentes de nós e o seu extermínio: não são pares de opostos, mas apenas diferentes expressões do vazio e da indignidade do homem. "A sua insuficiência para si próprio", nas palavras de Pascal (também ele contaminado).

188. "À falta de fazer alguma coisa com a sua vida vazia e estéril, cai nos braços dos outros ou atira-se-lhes à garganta." (Eric Hoffer, O Verdadeiro Crente).

189. E esse é o segredo da espantosa semelhança existente entre a irmã de caridade que trabalha dia e noite em benefício dos excluídos da sociedade e o bandido ideológico, o chefe de um serviço secreto, cuja vida se consagra inteiramente à eliminação dos rivais, dos estrangeiros ou dos inimigos da revolução: a modéstia de ambos. O seu interesse pelo que é mínimo. A sua hipocrisia, que se fareja à distância. A sua habituação à autocompaixão e a sua consequente irradiação de megawatts de sentimentos de culpa. A hostilidade que a irmã de caridade e o inquisidor compartilham perante tudo o que possa ser considerado "luxo" ou "autocomplacência". O missionário devotado e o organizador de purgas sangrentas têm ambos as mesmas maneiras delicadas. A mesma cortesia floreada. De ambos emana o mesmo odor de azedume indefinido. Têm o mesmo estilo ascético na indumentária. Os mesmos gostos (banais, sentimentais) em música e arte. E muito particularmente, o mesmo vocabulário ativo, caracterizado pelos floreados gastos, pela modéstia afetada, pelo cuidado com que evitam as formas mais cruas - toilettes em vez de casa de banho, ir-se em vez de morrer, solução em vez de extermínio, purga em vez de matança. E, é claro, salvação, redenção. Partilham a mesma divisa "Sou apenas um humilde instrumento." (Sou um "instrumento", logo existo; minto - ergo sum?!)

[...]

200. Por outras palavras: com a morte da alma, o cadáver ambulante transforma-se num ser totalmente público.»

Amos Oz ([1987] 2012). A Caixa Negra. Lisboa: Dom Quixote: 162-164.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Pessoas irritantes - Parte I

Por que razão há pessoas que têm de dar opinião sobre tudo, mesmo quando não lha pedimos? É muito, muito irritante e daqui a uns dias vou desenvolver este tema. Hoje não tenho tempo nem espaço mental para isso, no entanto, tive de escrever estas frases para deitar para fora esta irritação e não pensar mais nela.

(pausa de 25 minutos)

Não consegui deixar de pensar nisto enquanto comia a sopa da ordem, por isso regressei para deitar para fora mais umas ideias. Estava na quarta colher de sopa e cheguei à conclusão que não suporto mesmo essas pessoas que a torto e a direito nos dão opiniões e conselhos que não pedimos. Como se diz por aí: se os conselhos fossem assim tão valiosos, pagavam-se!

Pois é, pela experiência que tenho de conviver com pessoas destas, a maioria deveria era perder algum tempo a repensar a sua vida, a organizá-la e a fazer auto-análise em vez de dar palpites palermas sobre a vida dos outros, porque, na verdade, é frequente que este tipo de pessoas tenha a vida de pantanas e só a acção de se intrometer onde não é chamado lhes dá sentido à vida.


 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

É impossível não perder

Após alguma reflexão, concluí que uma das maiores verdades da vida é que estamos sempre a perder alguma coisa, mesmo que nem demos por isso e/ou mesmo que finjamos que essa perda não nos aconteceu. A vida sem perdas não seria igual à que vivemos, mas uma vida sem perdas, apenas com ganhos, temo que ficaria desequilibrada, tão desequilibrada como já é e/ou como já está. Por isso, talvez percamos apenas para ganharmos consciência do que tínhamos até ao momento em que o/a perdemos. Perdeu-se na leitura deste pequeno parágrafo? Não há problema, não tarda nada, encontra-se e até pode acontecer que ganhe alguma paciência para voltar a ler este parágrafo.