Eu não sei como é com os outros, mas comigo, eu sei. É difícil, é muito difícil escrever uma tese de doutoramento. É um processo lento, cheio de avanços e recuos temperados pelas minhas profundas inseguranças e, ainda, marcado pelos serpenteantes percursos dos meus pensamentos. Os meus pensamentos não seguem a direito como acontece sobejas vezes com os carros orientados pelas preciosas dicas do GPS. Os meus pensamentos percorrem a vida dos outros, as preocupações (as minhas e as dos meus amigos e as dos meus pais e as da minha P.) seguem os raios intermitentes da luz do sol que ilumina a sala do meu T1 com kitchenette, através dos estores. Os meus pensamentos são desviados pelo som da sirene do carro da polícia, pelo alarme do carro de um vizinho, pela buzina de alguém que não consegue tirar o carro pois tem outro carro estacionado atrás dele, em segunda fila, e, principalmente, pela sirene das ambulâncias. Essas têm um poder fortíssimo sobre o vai e vem dos meus pensamentos. Penso: Antes estar aqui do que na ambulância, mas assim que penso isso mesmo, já me distraí e já lá vai o meu pensamento para longe das teclas do computador. Vai para dentro do hospital, para o lado do avesso das dores dos outros e das minhas. Por que não das minhas também?!
Escrever uma tese de doutoramento exige concentração - eu penso mesmo que à maneira de como se falava nos anos 80 - escrever uma tese de doutoramento é o CÚMULO DA CONCENTRAÇÃO:) Ora, para quem me conhece. Corrijo: Para quem me conhece agora aos 40 e a viver os 40 que vivo, concentração é dos truques mais difíceis de conseguir. A minha concentração está ao nível da cave, melhor, da garagem do prédio onde, infelizmente, o meu carro não dorme.
Escrever uma tese de doutoramento não tem nada, absolutamente, nada a ver com a nossa inteligência (seja isso o que for). Escrever uma tese de doutoramento é proporcional à nossa capacidade de resistência. Ao género da que têm os maratonistas. E eu, pelos vistos, sou mais um desses, umas dessas. Eu sou uma maratonista com paragens frequentes na box para rebastecer o oxigénio, a esperança, a energia e, acima de tudo, a persistência.
Eu não sei como é com os outros, mas comigo e para mim é difícil. E estou desejando o dia em que tudo isto termina. Para poder recomeçar a viver sem as costas doridas das horas sentada ao computador, para poder olhar a vida sem este peso que me imponho. Sim, eu tenho responsabilidade neste peso que me imponho; mas na verdade não sei fazer de outro modo. Provavelmente, os outros conseguem, mas eu não. Não sei como é com os outros, mas comigo não é fácil. Se calhar é porque viver comigo não é fácil. Penso muito.
Eu não sei como é com os outros, mas comigo é difícil...:) mas não se preocupem, eu posso não ser mais nada, mas sou uma resistente. Até já tenho a boina e o penteado à la mode de la résistance ou de la résistance à la mode:)!
4 comentários:
Vive lá Resistance!
Com os "outros" todos juntos, ou sem eles, ou simplesmente porque muitas vezes não se sublinha o que se sente, tu és uma resistente!
Os comboios, as casas, os pensamentos viajantes...
Ainda no meio de uma "cidade" desconstruída, ansiosa, manter a permanência do "focus" é admirável, e tu tentas e consegues.
Uma resistente com bandeira erguida mas sempre discreta e em silêncio...Não fossem pessoas como tu tão únicas e raras...
Conto os dias e as horas para que te libertes dessas palavras e voltes a "ti"! Amo-te
Eu também te amo! E muito!!!
Minha querida amiga,
Como te compreendo tão bem...
Muitos beijos
APC
Querida Rita, nunca escrevi uma tese de doutoramento, mas tenho escrito outras coisas. Duvido que Deus, para criar o mundo, se tenha concentrado. Vejo o trabalho mais como uma... explosão! :-) ´Mal comparado, é assim que escrevo, é assim que faço tudo. E se experimentasses? :-) Mal não fará... Beijinhos, isto é só um disparate para descomprimir, não ligues, não sei nada de teses de doutoramento... :-)
Enviar um comentário