sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Era uma vez...

Conheci-o numa noite de fim de verão. Eu tinha saído de uma casa onde fora jantar e ele veio ter comigo. Silenciosamente mas muito seguro. Deviam ser mais ou menos duas da manhã, mas era verão, a noite estava parada e o ar morno enchia-me de calma. Por isso eu estava ali à porta da casa, parada como a noite. Aproximou-se e olhou-me nos olhos. Apaixonámo-nos logo ali e levei-o para casa. Tremíamos os dois. Não sei se de medo, se apenas da novidade. Mas tive logo ali a certeza de que alguma coisa em mim iria mudar. Quando entrámos em casa dei-lhe um nome: Ruca. Ruca porque pode ser nome de pessoa, Ruca porque começa com R – como o meu nome -, Ruca porque o encontrei na RUa e abri-lhe a porta a minha CAsa. Tem pêlo preto como a noite em que nos conhecemos. Tem olhos verdes como as folhas das árvores que havia ao lado da casa. Desde o dia em que entrou na minha vida passou a fazer-me companhia. Gostava quando eu chegava a casa. Falava por detrás da porta da casa assim que ouvia o meu carro a chegar. A nossa casa. Rapidamente ele se tornou dono daquela casa. Eu não era a dona dele (como muitos afirmam), eu era um elemento da casa, tal como ele. Deitava-se atrás do ecrã do computador a espreitar. A ver-me através do verde. Eu a trabalhar, ele a olhar para mim. Deitava-se no sofá comigo, junto da minha barriga; ficava como uma bolinha quente com coração a bater sempre rápido e a fazer o som com o efeito mais calmante. Gostávamos (e gostaremos sempre) os dois da liberdade. Por isso, depois de lhe ter aberto a porta para entrar, naquela noite de verão, sempre lhe a abri para ele sair quando quisesse. Tinha um coração leve, vivia sempre alerta, assustava-se facilmente. Tinha molas nas patinhas, e falava. Falava muito. Falava para me dizer que queria sair, falava para me dizer que queria entrar, falava para me dizer que queria dormir na minha cama. Falava, mas nem sempre conversava. Tem nome de pessoa mas não conversava sempre que eu conversava com ele. Era teimoso. Deliciosamente teimoso. A partir do momento em que veio viver comigo, fiquei mais feliz. Depois de me ter despedido dele, deixámos de conversar. Agora, quando o vejo, vem ter comigo: quer o meu colo. Fica ali quieto – muito quieto, a olhar-me e a olhar à volta (provavelmente à espera do momento em que eu saio pela porta fora). Fica ali sossegado até que alguma coisa (um mínimo ruído, uma porta que se fecha, uma porta que se abre, um telemóvel que toca, um movimento meu, mesmo que lento) lhe sobressalta o coração. Quando saio de casa sem ele, ele vem comigo. Está sempre comigo, apesar de eu me ter despedido dele.

3 comentários:

Anónimo disse...

Como te percebo! Um animal (a descrição do teu aplica-se à minha)faz parte de nós, é mais um membro da família.
Quantas vezes, antes de ter a Nitcha, os meus alunos escreviam nas fichas biográficas, no sítio " com quem vive", "pai, mãe, irmãos, cão (ou gato)". Eu achava aquilo uma parvoíce. Chegava mesmo a pensar que estavam a gozar com a minha cara. Mas, desde que tenho um(a), percebo perfeitamente! Só tenho pena de não a poder pôr também no IRS!

Beijinhos
Guida

Zuzu-luz azul.blogspot.com disse...

Não foi preciso ler o texto para saber como tens sentido a falta do teu Ruca. Muitas vezes dou comigo a pensar, qual a maneira (se existir uma maneira?) para que não estejas sem ele! Sei que ele é a tua companhia, sei que ele te ouve, sei que ele fala (mas fala mesmo contigo!) e quando te sei sozinha, nesse andar que tu fazes os possíveis "para te convenceres!", de que é muito confortável, tenho uma vontade irresistível, de ir a Tunes, pegar nele e levar-to... como tu ficarias contente! e eu ficaria muito mais feliz...

rita disse...

O Ruca está melhor naquela casa. Pode sair e passear. Ele é mais feliz ali porque tem liberdade. Se ele estivesse aqui comigo, não poderia sair para rua e ficaria muito triste com isso (ele e eu). Prefiro assim. Saber que ele pode sair para a rua e brincar e correr à vontade, é o mais importante. Se ele estivesse aqui comigo, ainda saltava da varanda e magoava-se a sério. Para além do mais a quantidade de pássaros que há nas árvores em frente à minha varanda faria com que fosse inevitável que ele saltasse. Por isso: ele está muito bem naquela casa. Eu tenho saudades, mas prefiro que ele lá esteja.

Em relação à minha «nona casa», ela é mesmo confortável e eu estou mesmo bem aqui. Dos problemas que tenho, a casa não é definitivamente um deles. Não te preocupes. Beijo